Censura?

Por: Bruno Zaffari

Somos conduzidos pelos fatos aos debates e desses para outros ainda. Nem sempre, a primeira parada é a mais importante. Em grande parte das vezes, é o que está escondido depois de algumas voltas que realmente importa.

A exposição que tomou as manchetes nos apresenta um caso bem ilustrativo sobre esse ir além. Em um primeiro momento, o julgamento caiu sobre as obras e a maneira como se apresentavam. Francamente, não estive no local para emitir qualquer opinião consistente. Arte pode ser boa ou ruim, inspirar ou polemizar. No íntimo, valorizo de fato a primeira, que envolve uma reflexão mais profunda do próprio artista na elaboração e, depois, do observador, que simplesmente o desejo de chocar muitas vezes dominante na segunda.

O verdadeiro debate, entretanto, viria na sequência do seu ocaso, quando a liberdade de expressão entrou em pauta. A palavra que se ouviu foi “censura”. Primeiro, uma acusação; depois, um grito, até finalmente ser entoada em coro. Dedos em riste e fileiras contrapostas nas ruas típicos da nossa incapacidade de dialogar. Mas será que o que vimos foi efetivamente censura?

Censura é um ato coercitivo, próprio de instituições estatais que avaliam a conveniência de determinada obra ou padrão de conduta na sociedade. Está presente em códigos legais e jurisprudências que têm imposto um padrão de comportamento politicamente correto para criar uma sociedade livre de dissabores. Tira a liberdade do indivíduo de julgar substituindo-a pela de alguém supostamente mais capacitado. Enfim, o tipo de coisa que tem deixado os comediantes em maus lençóis.

No caso, a liberdade imperou. Ninguém foi obrigado a nada. As pessoas foram livres para organizar a exposição, como outras foram livres para criticá-la e outras ainda para criticar essas. Temos muito a aprender no que diz respeito à liberdade de expressão. Mais que falar, pressupõe ouvir. Como todo o preceito de liberdade, pressupõe a não imposição e a não agressão, mas não exime de responsabilidade. Ela traz o debate à tona em vez de deixá-lo restrito a conversas cochichadas. Não deixa ninguém livre da crítica, e menos ainda garante ovações. É essencial para a vida em sociedade e deve ser protegida nos termos de Voltaire: “posso discordar da sua opinião, mas defenderei com a vida seu direito de dizê-la”.

Originalmente publicado em Zero Hora